OPINIÕES Decisão do STF: criação de municípios Christianne Boulos - 29/06/2013 - 15h06 Na última sessão de julgamento do semestre, cuja realização foi antecipada em virtude da posse de novo ministro e no curso da qual se tomou decisão que ganhou as páginas de notícias, por resultar na primeira prisão de parlamentar durante o exercício do mandato, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, o Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) julgou medida cautelar em ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ajuizada poucos dias antes pelo PGR (Procurador-Geral da República), tendo por objeto lei do Estado de Rondônia que dispõe sobre a criação do município de Extrema (ADI 4.992-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes)

OPINIÕES Decisão do STF: criação de municípios Christianne Boulos - 29/06/2013 - 15h06 Na última sessão de julgamento do semestre, cuja realização foi antecipada em virtude da posse de novo ministro e no curso da qual se tomou decisão que ganhou as páginas de notícias, por resultar na primeira prisão de parlamentar durante o exercício do mandato, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, o Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) julgou medida cautelar em ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ajuizada poucos dias antes pelo PGR (Procurador-Geral da República), tendo por objeto lei do Estado de Rondônia que dispõe sobre a criação do município de Extrema (ADI 4.992-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes). Leia mais: Decisão do STF: os limites de atuação do Supremo e do Congresso na elaboração de leis Decisão do STF: recurso extraordinário em Adin estadual Decisão STF: trancamento de ação penal de competência do tribunal do juri Decisão do STF: requisições de pequeno valor Criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios são situações previstas na Constituição vigente desde sua promulgação, no capítulo dedicado à organização político-administrativa do Estado brasileiro, embora os requisitos para tanto tenham sofrido alterações desde então. Originariamente, o art. 18, parágrafo 4º, da Constituição estabelecia que todas essas alterações na vida de uma comunidade local deveriam ser feitas por lei estadual, obedecidos requisitos previstos em lei complementar também estadual, e dependeriam de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas. Sob esse formato, calcado exclusivamente em legislação regional, proliferaram municípios país afora, muitos dos quais criados sem que houvesse aferição prévia de condições mínimas de viabilidade dos novos entes da Federação, que rapidamente ultrapassaram em algumas centenas a marca dos 5.000. Em 1.996, a EC (Emenda Constitucional) nº 15 deu nova redação ao dispositivo constitucional, que passou, assim, a estabelecer que “a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”. Nota-se que, além da criação por lei estadual e do plebiscito, já previstos antes, a Constituição passou a exigir a realização de estudos de viabilidade e – aqui reside o ponto central da questão - a edição de lei complementar federal de caráter geral, em lugar da legislação complementar estadual a que antes se referia. A dependência de edição de lei complementar federal para que possa haver criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios afeta a capacidade de produção de efeitos da norma constitucional em questão. Como explicitado em voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes em uma das inúmeras ADI tendo por objeto a criação ou pretensão de criação de municípios por leis estaduais, sem que houvesse sido ainda editada a lei complementar federal, a jurisprudência do STF assentou-se no sentido de que “o art. 18, parágrafo 4º, da Constituição da República, com a redação determinada pela EC 15/96, é norma de eficácia limitada, dependente, portanto, da atuação legislativa no sentido da feitura da lei complementar nele referida para produzir plenos efeitos”; como consequência, fica inviabilizada “a instauração de processos tendentes à criação de novas municipalidades, até o advento da referida lei complementar federal” (ADI 2.240, Rel. Min. Eros Grau). Em função da ausência de lei complementar federal, o entendimento do STF quanto à eficácia limitada do aludido dispositivo constitucional refletiu-se em inúmeros julgamentos: ora para declarar a inconstitucionalidade de leis estaduais de criação de municípios posteriores à EC 15/96, quando ainda não consolidada de fato a situação; ora para declarar a inconstitucionalidade dessas leis, embora sem pronúncia de nulidade, em nome do princípio da segurança jurídica, diante de uma situação de fato consolidada, que se preservava por um tempo determinado, em que julgava o STF ser razoável aguardar que o Congresso Nacional legislasse como requerido (caso este da referida ADI 2.240, relativa ao município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia); ora simplesmente reconhecendo a mora do Legislativo, em diversas ADI por omissão, promovidas por Governadores ou Assembleias Legislativas de Estados que se sentiam tolhidos por não poderem criar municípios, em que o STF reconhecia a mora legislativa e acenava com um prazo para edição da lei complementar federal pelo Congresso Nacional. Desta última natureza foi a decisão proferida na ADI 3.682 (Rel. Min. Gilmar Mendes), em que o STF consignou que, ao cumprir seu dever de legislar, deveria o Congresso contemplar as situações de inconstitucionalidade geradas por sua omissão, quais fossem, as de criação irregular de municípios por leis estaduais, sem a necessária lei complementar federal antecedente. O Congresso Nacional, em que pesassem os projetos em trâmite nas Casas legislativas sobre a matéria, não tendo chegado a um consenso sobre o conteúdo da lei complementar, perto do fim do prazo considerado razoável nessa decisão, cuidou tão somente das aludidas situações irregulares. Em dezembro de 2008, a EC 57 acresceu o art. 96 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pelo qual foram convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, cuja lei houvesse sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação. Esse é o cenário normativo e jurisprudencial em que se insere a ADI 4.992, relativa à lei de criação do município de Extrema. Os fatos subjacentes remontam a fevereiro de 2010, quando foi realizado plebiscito para consulta à população de Porto Velho, da qual Extrema é um distrito, com resultado favorável a seu desmembramento do território da capital rondoniense e sua transformação em município, tendo a Assembleia Legislativa do Estado promulgado com esse fim a Lei nº 2.264, no mês subsequente. Desde então, a população local aguarda e pressiona pela adoção de medidas de execução da lei de criação do município. O PGR, na inicial da ADI, relatou o avanço e a probabilidade de conclusão do processo de consolidação do município, que poderia trazer prejuízos irreversíveis, como o aumento de despesas públicas com a criação e instalação de órgãos municipais, requerendo em consequência a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia da Lei estadual nº 2.264, de 2010, até julgamento definitivo da ação. Com base no art. 10, parágrafo 3º, da Lei nº 9.868/99, o Relator submeteu o pedido de cautelar ao Pleno do STF, sem a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei de Rondônia. Em seu voto, objetivo e de curta duração, acompanhado integralmente e sem qualquer acréscimo por todos os seus pares, o Min. Gilmar Mendes apontou que a pretensão de criação de município, por lei estadual, sem a antecedente lei complementar federal, é contrária à Constituição, uma “patente violação” de seu art. 18, parágrafo 4º, como já reconhecido pela “pacífica jurisprudência” da Corte. Ressaltou o lapso temporal decorrido sem que o Congresso houvesse adotado a lei complementar que lhe incumbe, a despeito do reconhecimento da mora legislativa até mesmo pelo STF. E assim, nas palavras do Relator, “diante da clareza do texto constitucional e da jurisprudência do Supremo”, foi concedida a medida cautelar, suspendendo a eficácia da lei rondoniense de criação do município de Extrema, até o julgamento final do mérito da ADI. A omissão legislativa do Congresso Nacional, determinante para a fixação da jurisprudência do STF tanto quanto para a população do ainda distrito de Extrema, pode estar em vias de se extinguir. No último dia 4 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou, com alterações, o projeto de lei complementar, originário do Senado Federal, que regulamenta a criação de novos municípios, versando, entre outros aspectos, sobre requisitos como viabilidade financeira e população mínima para esse fim. Em virtude das alterações, o projeto, sob a forma de substitutivo, retornou ao Senado Federal, Casa em que aguarda emissão de relatório da Comissão de Constituição e Justiça, desde o dia 11 seguinte. Nestes quase 17 anos entre a EC 15/96 e o julgamento da medida cautelar na ADI 4.492, a omissão do Legislativo, ligeiramente interrompida pela convalidação de situações irregulares promovida pela EC 57/08, fez apenas crescer a ânsia de localidades que enxergam sua transformação em município como uma forma de emancipação, de solução para os eventuais problemas enfrentados na prática com os municípios que hoje as albergam. Há uma enorme “demanda represada”, em diversos Estados do país, aguardando a edição da lei complementar a que alude o art. 18, parágrafo 4º, da Constituição para que se lhe dê vazão. As consequências do atendimento ou não a essa demanda, se serão ou não uma repetição do que ocorreu entre a promulgação da Constituição e a EC 15/96, ainda se está por aferir. Em audiência pública realizada um dia antes da concessão da cautelar pelo STF, diante dos chefes de Executivo, Legislativo e Judiciário de Rondônia, a população do distrito de Extrema registrou sua perplexidade, consignando que há anos busca tornar realidade a criação do município, sem ter “o direito reconhecido” e, agora que se aguardava a adoção dos atos de execução para tanto necessários, teria sido surpreendida com a “notícia de ação de inconstitucionalidade”. Se por um lado os registros confirmam o quanto relatado pelo PGR na inicial da ADI, justificando a concessão da liminar, por outro evidenciam que a omissão legislativa é o que de pior pode haver em termos de ofensa à necessidade de se dar concreção aos comandos constitucionais, por colocar em xeque a credibilidade mesma da própria Constituição.

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